28 de out. de 2012

Pedro Santos - Krishnanda (1968)



Label: CBS (2) – KNOLABELS
Format: Vinyl, LP, 33 ⅓ RPM, Unofficial Release
Country: Brasil
Genre: Funk / Soul, Jazz, Latin
Style: Bossanova

Não me vejo nem no direito de escrever sobre esse LP que é de grandeza imensurável da nossa música brasileira, mas tratado de forma obscura pelos críticos, sendo quase não mencionado na   memória musical brasileira. Passo a bola pra alguns colegas garimpadores que escreveram sobre esse disco marcante, envolvente, espiritual e capaz de ampliar horizontes.
Um disco raríssimo com pouquíssimas tiragens.

Ultimamente, a rapazeada do Bixiga 70 resgatou esse trabalho, regravando a música "Desengano da Vista". Um afrobeat de tirar o chapéu.


Como o próprio Pedro diz na faixa "Um só":


"Eu só de um pedaço de nada
De um pedaço de cada dentro tudo que há

Aquele que na palavra entender
No nome não se prender,
Pode ver bem quem eu sou

Mas quem no pé da letra cair,
Do nome não vai sair,
Porque no nome não estou"


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Pedro Santos (ou Pedro dos Santos) é o heterônimo de Pedro Sorongo, percussionista, compositor e inventor de instrumentos de percussão como a tamba. Acompanhou nomes como Jacob do Bandolim, Baden Powell, Elis Regina, Elza Soares, Sebastião Tapajós, Roberto Ribeiro, Milton Nascimento, Clara Nunes entre outros. Com Jadir de Castro, comandou a sessão rítmica de Um sax no samba, um dos poucos álbuns do grande Zé Bodega. Produzido pelo baterista do Tamba Trio, Hélcio Milito,  e arranjado pelo maestro Jopa Lins, Krishnanda é seu único álbum autoral. (BO)


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Algum colega blogueiro já notou, mas vale reafirmar a analogia. A terceira faixa de Krishnanda, “Um só”, possui versos no mínimo curiosos em relação à posição de Pedro Santos e do álbum, não somente em relação a sua época e, graças ao resgate em MP3, a nossa, mas em relação à música brasileira em geral: “… aquele que na palavra entender, no nome não se prender, pode ver bem quem eu sou. Mas quem no pé da letra cair, do nome não vai sair, porque no nome não estou…”

Pedro Santos, Pedro dos Santos, Pedro Sorongo, tocou com fulano, inventou instrumentos, entre os quais a Tamba, que dá nome ao renomado trio de jazz bossa, e realizou este álbum: pouco ou nada se sabe sobre este artista que “no nome não está”. De fato, não há informações disponíveis que possibilitem acessar mais adequadamente o trabalho de Sorongo. Inclusive, em relação a seus feitos, usarei os verbos no passado, pois nem sei ao menos se está vivo… Porém, a audição do álbum e a apreciação da breve história que colhemos via web, nos permite entrever fatos e detalhes. Por exemplo, tendo em mente a habilidade de Sorongo para criar instrumentos, identificamos na segunda faixa um chocalho d’água, cuja primeira ocorrrência que me vem à cabeça é o tocado por Jamie Muir em Lark’s Tongues in Aspic, quinto álbum do King Crimson. Mas não sei se este procedimento pode ser útil, pois o álbum exprime mais do que perspicácia técnica. O que se ouve em Krishnanda é produto de uma concepção sonora muito particular, mesmo levando em conta os prolíficos anos sessentas.

Após diversas audições, percebe-se o método a partir do qual o trabalho de Sorongo se desenvolve, e que confere a ele o estatuto de avis rara. Da bossa, do  jazz e do samba-jazz ele absorve as concepções harmônicas, os arranjos de metal e o balanço. Subjacente às canções e temas musicais, camas de percussão que beiram a genialidade inscrevem o nome de Sorongo entre nossos grandes instrumentistas nesta seara. O disco abre com a batucada afro de “Ritual Negro”, permeada por vozes femininas, cujo tema central lembra tanto os ataques de metais da Orquestra Tabajara como os arranjos do Modern Jazz Quartet. Em “Água Viva”, o procedimento se repete: sobre uma cama rítmica inusitada, formada por kalimbas e chocalhos d’água, um naipe de metais desenha uma melodia à semelhança do estilo samba-jazz, lembrando a música de Moacir Santos. “Um Só” é composta por berimbaus e tambores, mas o que chama atenção é a qualidade da canção e da voz áspera de Sorongo. “Advertência” é uma experiência bastante afinada com alguns trabalhos contemporâneos que intercalam cacofonia e arranjos para orquestra. Os estrondos são acompanhados por orquestra wagneriana e tambores apocalípticos, produzindo talvez a faixa mais experimental do disco – junto com a riponga “Flor de Lótus”. “Quem Sou Eu” também admira pela qualidade meio pop, meio bossa da canção – às vezes lembram os afrossambas – e, finalizando, “Aranbindu”, uma singela melodia executada de forma lúdica e, ao mesmo tempo, com um certo grau de estranheza conferida pelo som do xilofone.

É estranho pensar que este álbum só veio à tona graças à era do MP3. E isso por alguns motivos que nos coloca questões estéticas e históricas de primeira ordem. Uma primeira questão, duchampiana, nos faz perguntar pela detecção dos elementos vanguardistas e como este trabalho depende de uma seleção que é feita de forma um tanto quanto arbitrária. Ora, o trabalho de Sorongo está em pé de igualdade com muitos discos da tropicália, e mesmo em relação a pseudo-bossa que inundava os festivais da época. Por que teria ele de emergir logo agora, que forças o mativeram no ostracismo por tantos anos? Uma outra questão curiosa é a semelhança que as experiências de Sorongo mantém com a fase setentista de Fela Kuti, que se pode conferir em “Desengano da Visita”. Mera coincidência? Provável, mas não há como tirar o mérito do compositor, de ter antecipado algumas divisões rítmicas, explorado suas potencialidades, criando inclusive soluções melódias e harmônicas perfeitamente condizentes com o “novo” ritmo.

Krishnanda certamente irá influenciar muitos trabalhos daqui pra frente, assim como os discos de Tom Zé, Caetano, Vinícius… E me pergunto que outros tesouros estarão escondidos pelos recantos do mundo, revelados quase diariamente pela gana pesquisadora dos bloggers. Essa enorme reserva, obnubilada pelos produtos eleitos, seja pela indústria, seja pela escolha popular, ainda poderá nos trazer outros “krishnandas”, o que implica em cogitar a hipótese de que entre passado e futuro se estabelecerá aos poucos uma relação de retroalimentação e atualização: o futuro identificando no “passado” seus elementos precursores, o passado renascendo e iluminando o futuro… E cá estou eu, filosofando sob a influência meio hippie, meio jazzy deste disco surpreendente. (Bernardo Oliveira)


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De todas as obscuridades da música brasileira que já ouvi, este Krishnanda de Pedro Santos e Smetack do suíço radicado na Bahia, Walter Smetack, são os mais surpreendentes. Embora musicalmente os dois álbuns não guardem muitas semelhanças – Krishnanda, apesar dos experimentalismos, é altamente pop, com melodias pra lá de assobiáveis, enquanto o disco de Smetack é atonal, sem qualquer resquício da canção popular -, ambos foram produzidos por músicos-inventores, que criaram novos instrumentos e os utilizaram na feitura de suas composições. Dessa forma, ouvimos no trabalho de Pedro, várias sonoridades inauditas (ou quase), como as do sorongo, do bambu eletrônico, do berimbau de boca, da tamba, entre outras. Mas a novidade aqui reside menos na extravagância dos instrumentos usados que na maneira como o compositor trabalha com timbres e justapõe melodias e harmonias suaves a percussões tribais e arranjos incrementados. A fonte de inspiração é a música africana, seja aquela dos batuques refinados ou a dos instrumentos de sopro com grande teor melódico. Os únicos trabalhos que podemos relacionar a Krishnanda são Os Afro-Sambas de Baden e Vinícius, álbum seminal na fusão estético-musical entre Brasil e África, e tudo o que foi produzido por Rogério Duprat na época, principalmente os dois primeiros LP’s dos Mutantes, os mais aventurosos no que concerne experimentos com timbres e texturas sonoras. Krishnanda é uma obrigação para aqueles interessados nos caminhos corajosos e menos óbvios que a música brasileira tomou no final da década de 60. (Thiago Filardi)


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Apesar das evidentes qualidades de Krishnanda, a sensação que surge inicialmente é o espanto em saber que um disco como esses existe na história da música popular brasileira. É curioso que o disco não tenha nem mesmo menção na história dos discos malditos obscuros, como o disco tropicalista de Rogério Duprat ou o Paêbirú de Zé Ramalho e Lula Côrtes. Maior surpresa ainda: trata-se de um disco de 1968, incorporando samba, arranjos indianos carregados no expressionismo e África, além de contar com sons vindos de novos instrumentos e barulhos de natureza, como água e cantos de animais silvestres. Fosse um disco de meados dos anos 70, poderíamos traçar as influências: as misturas vêm da tropicália, os “sons de natureza” são inspirados em O Milagre dos Peixes de Milton Nascimento, o experimentalismo fragmentário vem do Caetano de Araçá Azul e dos discos de Walter Franco. Mas 1968 coloca Krishnanda como simultâneo dos primeiros e precursor dos outros: trata-se não somente de um OVNI enterrado nas camadas subterrâneas de nossa história, mas também de um trabalho que aponta para problemáticas musicais que viriam a aflorar nos anos seguintes.


Mas que fique claro que não é apenas um jogo de descoberta e fetiche pelo obscuro. O principal é o imprevisível, sim, mas também enorme talento em criar melodias, em criar bases percussivas e em especial em criar uma espécie de conjunto místico/religioso que encompassa organicamente geografias (Ásia, África e América) e culturas (religião hindu, panafricanismo) totalmente distintas. O que convence, em todo caso, é menos o conjunto – não é um disco que prima pela coesão – do que os lampejos brutos de inspiração: a melodia instrumental de “Ritual Negro” que abre o disco, a esquisitice proto-Tom Zé do riff de teclado (?) de “Quem Sou Eu?”, os agudos evocativos de “Flor de Lótus” e “Sem Sombra”, os trunfos de composição de canção que são “Água Viva” e “Desengano da Vista”. Por momentos, no entanto, o disco se instala num limiar meio perigoso entre pesquisa de timbres e easy listening, como testemunham as duas últimas faixas, “Dual” e “Aranbindu”, que são longe de essenciais. “Savana” e “Advertência” são peças climáticas e interessantes, mas a proximidade uma da outra acaba atrapalhando um pouco a fluência do disco, que não se comportará tão solenemente assim até o fim. Mas esses são apenas pecadilhos diante de um trabalho tão vigoroso e singular na música brasileira como é esse Krishnanda, que merece o quanto antes ganhar o reconhecimento devido. (Ruy Gardnier)

Tracks:

A1 Ritual Negro
A2 Agua Viva
A3 Um Só
A4 Sem Sombra
A5 Savana
A6 Advertencia
B1 Quem Sou Eu?
B2 Flor De Lotus
B3 Dentro Da Selva
B4 Desengano Da Vista
B5 Dual
B6 Arabindu



Um comentário:

Anônimo disse...

Nossa!! esse disco é lendário, obrigado por compartilhar..acabou de ganhar um seguidor!!

abraço